Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

sexta-feira, março 31, 2006

Pedro Correia


“Pedro Correia, 28 anos, é o grande vencedor do 6º Prémio Fotojornalismo VisãoBES. Repórter do Jornal de Notícias, o galardoado fotografou sentimentos de tristeza e comoção durante o funeral de um agente da PSP morto na Amadora a 20 de Março de 2005. De entre 204 fotógrafos, com 5815 fotografias, Pedro Correia vence, também, na categoria Reportagem, com oito imagens a preto e branco tiradas durante o cortejo fúnebre do agente. Paulo Alves, 23 anos, foi um dos três polícias mortos em serviço na Amadora, ano passado”.

Começa assim o “press-release” do Prémio Fotojornalismo VisãoBES, que caiu nas redacções por volta das 20 horas. É assim o início de uma noite que será melhor, bastante melhor, do que o previsto: tenho um camarada que foi distinguido com o mais importante galardão português em matéria de fotografia e, por isso, sinto uma grande, enorme, alegria. Estou, acho, comovido.

Intempestivo e brutinho q.b., doido fanático pelo seu F.C. Porto, amante praticante e empenhado da sua profissão, o Pedro Correia é um puto com uma rara qualidade humana: tem um coração doce, de menino.

Acordei-o, algumas vezes, de madrugada para fotografar incêndios na cidade do Porto: nunca mostrou má cara, alguma insatisfação. Ao segundo sinal do telemóvel respondeu sempre: vou já, vou já, é só vestir qualquer coisa.

Trabalhei com ele uma madrugada de Natal – uma experiência única… – à procura de eventuais sinais de violência nas famílias portuguesas. Deixamos as nossas famílias em casa e percorremos toda a cidade do Porto debaixo de um vendaval medonho: havia árvores caídas na Circunvalação, gente jovem a rodos em duas discotecas, bêbados a curarem o álcool nos hospitais. Nada de especial. Acabamos a noite à chuva, à porta de um ex-camarada cuja casa tinha precisamente acabado de arder…

Há pessoas de quem gosto, há pessoas de quem se gosta espontaneamente. O Pedro é uma delas, até porque é fácil gostar dele.

E, desculpem, chega de conversa lamecha!, mas a comoção está a falar mais alto.

sexta-feira, março 24, 2006

Saudades

















Tinha prometido a mim próprio que não o faria, mas não resisto mais.

Os portugueses sabem o que é a saudade, saudades das pessoas e das coisas que fazem parte da sua existência.

Os que nasceram em outras paragens beneficiaram da influência cultural portuguesa, a “saudade” vem inscrita no seu património genético.

Quando se está longe, longe da vista, a saudade aperta no coração. E o coração, às vezes, fica demasiado pequenino. Hoje, ao ver estas imagens de Luanda, o meu coração soltou uma lágrima de saudade.

Teatro por comida


Há projectos que, pela forma ou pelo conteúdo, são originais. Outras, claro está, nem por isso.

Para amanhã, ma Biblioteca Municipal de Santa Maria Feira, às 21.30 horas, anuncia-se uma peça de teatro – “Retratos de família” – em que os actores são oito pais que, durante dois anos e meios, integraram o Clube de Pais, projecto de intervenção social.

Desconheço a peça, desconheço o encenador, desconheço os actores, desconheço o projecto, só sei que nada sei, como dizia o outro...

Mas de uma coisa sei: é que o bilhete custa um quilograma de alimentos não perecíveis e os produtos angariados revertem a favor do Mercado da Solidariedade do concelho. Ideia original.

terça-feira, março 21, 2006

Indecência sem limite


Eu sei, José Sócrates é primeiro-ministro, há regras do protocolo que não se quebram, e ela, Fátima Felgueiras, uma senhora.

Mas uma senhora com um passado recente tão, tão atribulado que conseguiu, consegue ainda agora, abalar com todos os pilares da Justiça, vale o mesmo que uma senhora a sério?

A indecência não tem limite.

Encontrar-te-ei pelo ouvido


Não há uma boa idade para se morrer. Morrer aos 51 anos é ainda mais complicado. Mais complicado ainda porque estou a escrever sobre o dono de uma voz que marcou gerações.
A minha geração identifica de olhos fechados a voz de José Ramos.
Quando chegar ao outro lado da vida, José, encontrar-te-ei pelo ouvido.

segunda-feira, março 20, 2006

Pensando no Dia Mundial da Poesia, que se celebra amanhã

Poemas para um tocador de quissanje *


1

Leio nos teus olhos
a minha infância
como quem olha um retrato
envelhecido e mudo...

Os teus olhos parados
claros de luas passadas
não são mais que pedras frias
onde perpassam cacimbos...

... no entanto leio neles
todo esse mundo querido
de mistérios
assombrações

e receios
claras manhãs de Janeiro
calor de todos os jangos
verdes capins sorrindo...

Falam de noites da vida
vidas da vida falando
na linguagem de um quissanje


2

Eras o maior
dos tocadores de quissanje...

Vinham gentes
e paravam...
ao luar de frios ventos
de jangos mudos
e as mulembas
não embalavam
as folhas...

Na longa noite do tempo
inda se escutam e choram
teus acordes de quissanje
mensagens de além perdido.


3

... e vinham
das distâncias
eram das terras da lunda
e os regressados das ilhas
e as crianças que não iam
muito p'ra além dos luandos
e das portas
e eram velhas
cachimbando
junto às fogueiras
sem lenha
e vinham todos...

Alongava-se na noite
canto de escravos passados
vozes de contratados
o teu quissanje dolente...


4

... as velhas já não choravam
filhos perdidos no mar
e as crianças não choravam
a fome dos ventres grávidos
e as mulheres já não choravam
homens levados de noite
em cargas silenciosas...
e as lavras já não choravam
e as estradas
e os mares
suor dos ombros cansados
e os homens
já não choravam
já não choravam
já não choravam
Calavam.


5

Havia conchas de mar
múcuas e pitangueiras
falas de gentes quiocas
vozes de terras ganguelas
gritos de homens cuanhamas
ó amor de jovens luenas
e lendas de mucubais
inconformadas presenças
pairando em cada silêncio
em cada vagem que seca
como promessas de pão feitas fome
na realidade diária.

Havia
havia
havia
humanidades de espera
como promessas de pão

* de Costa Andrade, in "Terras das Acácias Rubras", 1961, Edição do Autor

sexta-feira, março 17, 2006

Os limites do decoro


Não sei o que pensará desta “informação/premonição” Brad Pitt ou Angeline Jolie.

Nem sei se o senhor José Maria Azevedo Teixeira, da Escola Secundária de Marco de Canavezes, existe e/ou assinou esta magnífica carta para as amizades, amores e paixões que despertam, com a Primavera, entre os nossos adolescentes.

Mas, a confirmar-se a sua veracidade, sugeria às direcções regionais de Educação que a repassassem por todas escolas de todo o país.

Na paz do Senhor e, claro, a bem da Nação.

quinta-feira, março 16, 2006

E não se pode exterminá-lo?


O senhor da fotografia é um tal de Jaime Ramos, secretário-geral do PSD na Madeira, deputado à Assembleia Regional da Madeira, que tentou agredir um outro eleito do PS, depois de lhe chamar “filho da puta”. E só não consumou a agressão, dizem as notícias, porque alguém de bom senso o travou a tempo. E, pelo caminho, tratou a bloquista Violante Saramago Matos ao mesmo nível: “Vai à merda!”

Será que não devia ser efectuada, com carácter de urgência, uma “avaliação das faculdades mentais” deste senhor?

quarta-feira, março 15, 2006

Abu Ghraib

São 279 fotografias e 19 videos do horror que ainda hoje deve ser viver na prisão de Abu Ghraib, no Iraque. O que se vê é, quase sempre, a representação do que de besta e animal há no homem, mas os mais corajosos podem seguir o link.

quinta-feira, março 09, 2006

Poema distante

Ó praia de luz morena
de recorte sensual,
eu vou soprar minha avena
de inspiração tropical.

Em toda a areia eu descubro,
nas águas e nos palmares,
vestígios do sol ao rubro
disseminados nos ares.

E a minha mágoa, esta pena
que chora,
tornou-se então mais morena
que outrora!
Onda atlântica da praia,
a minha flauta modula
a tua voz desmaia
como o capim quando ondula...

E eu não sei se a claridade
que muito ao longe se esgarça,
é nuvem na imensidade
ou asa de qualquer garça...

E a minha pena, esta mágoa
flutua
como flutua na água
a lua.

Lília da Fonseca, in "Antologia de Poesias Angolanas", 1957.

Mestre do vazio, do nada


Cavaco Silva definiu, hoje, os “cinco grandes desafios” do seu mandato, na cerimónia de posse como presidente da República.

O senhor Aníbal sabe o que diz, nada é por acaso, cultiva a encenação de rigor, nem sequer escapa a ementa de luxo (não, o adjectivo não é meu!) do seu banquete inaugural. E é, cada vez mais, um mestre do vazio, do nada.

Os ditos “desafios” primam, infelizmente para Portugal, pela ausência total de ideias. Como se temia, não há palavras de inovação, incentivo ou empenho, é uma mão cheia de coisa nenhuma.

1. – Criação de condições para um crescimento mais forte da economia portuguesa, para combater o desemprego e recuperar os atrasos face à União Europeia – ora aí está uma coisa de que nunca tinha ouvido falar!

2. – Recuperação dos atrasos em matéria de qualificação dos recursos humanos – ora aí está mais uma ideia inovadora, também aqui nunca, ninguém, se tinha lembrado desta, nem mesmo o próprio Cavaco Silva, nos tempos “gordos” dos subsídios europeus para a formação profissional.

3. – “Criação de condições para o reforço da credibilidade e eficiência do sistema de justiça” – Mais uma! Só sobre a crise da justiça, nos últimos dez anos, o Presidente Jorge Sampaio fez alguns 53.827 discursos pedagógicos sobre a matéria.

4. – “Assegurar no futuro o pagamento das pensões” – Mas não foi o primeiro-ministro Cavaco Silva que inaugurou aquela figura de estilo dos manuais das leis do trabalho a que se chama de pré-reforma, vulgo despedimento com direito a indemnização? E está, agora, preocupado com as consequências no sistema de Segurança Social? Será que me escapou alguma coisa?

5. – Credibilização do sistema político e um “Estado ao serviço de todos” – Finalmente, uma ideia inovadora...

#59 D.C.


Este é o último post "D.C." Cheguei a imaginar que teria de passar à clandestinidade, pintar o cabelo de loiro, deixar crescer pêra e bigode. Mas em pouco mais de dois meses ficou demonstrado que, para já, não é preciso tanto. Para já... Porque o futuro, agora, pertence a um qualquer deus em Belém...

Mas sei que vou ter saudades deste senhor aqui ao lado. Pela entrega séria que deu a Portugal durante dez anos, mesmo quando não concordei (e foram tantas vezes...) com ele.

terça-feira, março 07, 2006

#58 D.C.

Caramba! O homem disse há apenas três dias que o pior ainda estava para vir.

O chefe da banda bem que alertou das suas intenções, mas foram tão, tão rápidos (terá havido falsa partida?) no aranque do novo pacote de medidas que José Sócrates corre o risco de ficar para a História como o primeiro-ministro mais parecido com Francis Obikwelu...

#57 D.C.


A morte de Ali Farka Touré, hoje, aos 67 anos deixa-me triste.

Esteve há pouco em Portugal - e é bom recordar as suas palavras, ainda que datadas de 1999.

Para os mais distraídos podem ouvir o blues oriundo do Mali aqui.

Aos mais curiosos pelas notas biográficas aconselha uma passagem por aqui.

Pela minha parte, vou ouvi-lo toda a tarde. Para ficar um pouco mais alegre.

segunda-feira, março 06, 2006

#56 D.C.


Convenhamos que não é preciso tanto para saborear uma boa cerveja. Ele há cada exagero...

#55 D.C.

Uma reportagem da SIC, aqui há dias, gerou em mim um enorme ternura por um homem de 72 anos, conhecido pelas suas actividades delituosas, a quem carinhosamente muitos tratam por "avô-metralha". Hoje foi condenado pelo Tribunal de Sintra a quatro anos e meio de prisão efectiva.

Os senhores juízes não estiveram com as minhas pieguices e aplicaram-lhe pela medida grossa. Fizeram tábua rasa da deliquência de um idoso romântico que queria ficar com o canhão da máquina de tabaco para avançar para "uma burla linda".

A justiça tem destas coisas, injustas. Gostava de poder imaginar o que, dentro de algum tempo, vai acontecer a uns quantos arguidos mediáticos, como, por exemplo, Avelino Ferreira Torres, Fátima Felgueiras, Isaltino Morais, Valentim Loureiro...

#54 D.C.

Este título é politicamente incorrecto, ou será só impressão minha?

domingo, março 05, 2006

#53 D.C.

"Presos comem através de tubo grosso na garganta".

E esta vem daquele sítio que se auto-define como paladino da liberdade. Hum... interessante.

#52 D.C.


Pedro Almodóvar está de volta. Acabo de o descobrir na revista semanal de hoje no “El Pais”. E com ele uma das suas actrizes de eleição, Penélope Cruz, que interpreta o papel de Raimunda em “Volver”, que deverá começar a rodar pelas salas de Espanha (e de Portugal?) ainda este mês.

“Volver”, diz a promoção, relata a história de três mulheres que sobrevivem ao fogo e à morte, numa Espanha menos negra do que habitual nas películas do mais divulgado dos realizadores espanhóis, espontânea, divertida e solidária.

E Penélope, a avaliar pelas fotos do "El Pais" e as do próprio site do filme, está em grande estilo...

sábado, março 04, 2006

#51 D.C.

"Mais difícil" ainda? Que mais nos irá acontecer?

sexta-feira, março 03, 2006

#50 D.C.

A esta eu atribuíria o principal prémio do Inimigo Público do ano... Mas não posso rir, é mesmo para chorar!

#49 D.C.


Por mais de uma vez admiti a minha grande admiração por Arturo Pérez-Reverte. Hoje insisto na confissão. Quem gosta de histórias de aventuras, acompanhadas de reflexões maduras sobre coisas objectivas e reais da vida contemporânea, tem em Pérez-Reverte um bom interlocutor.

A propósito do seu próximo romance – “El pintor de batallas” – a revista semanal do "El Pais" entrevistou o escritor de Cartagena, onde se explica, preto no branco, claro e transparente como água, a diferença que há entre Goya e Picasso, por exemplo, entre a pintura e a fotografia.

Para os interessados deixo aqui o link da entrevista.

Arturo Pérez-Reverte está, definitivamente, numa outra escala, entre aqueles que têm coisas para dizer e que, ainda mais importante, dizem-no com clareza.

quarta-feira, março 01, 2006

#48 D.C.

Não tenho medo do escuro, das noites de trovoada, dos ruídos estranhos do prédio que nos entram pelos ouvidos precisamente quando mais depressa queremos adormecer, nem do galo que, vá lá eu entender porquê, cacareja toda a santa noite.

Também lido bem com o silêncio do campo, onde os pássaros, as vacas e os cães se fazem ouvir como em nenhum outro sítio. E não me causa estranheza ouvir um qualquer bicho da madeira a roer o sobrado com inteira satisfação.

Mas hoje descobri uma coisa que me perturba: ficar trancado num ascensor. Não chega para entrar em pânico, sentir o coração disparar à solta, nada do género, mas aquelas caixas de metal que, obedientes, nos levam para cima e para baixo, só têm mesmo graça quando param no andar desejado. Tudo o resto é incómodo, mesmo sabendo que aquilo não cai e que, mais tarde ou mais cedo, há-de aparecer um vizinho misericordioso que chama a assistência técnica.