Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

domingo, julho 31, 2005

"O Comércio do Porto" está vivo!

"O Comércio do Porto" não chegou, hoje, às bancas. Estava anunciado.

Mas hoje descobri um blog especial, o blog de alguns dos camaradas do "Comércio". Um agradável imprevisto.

"O Comércio do Porto" está vivo!

"Num período em que deixou de haver papel para a tinta correr, os jornalistas e demais trabalhadores de O COMÉRCIO DO PORTO encontram neste espaço a via para o exterior, por forma a manter viva a alma do jornal mais antigo de Portugal Continental", define-se o blog.

Força aí, camaradas! Na falta do papel, façam a tinta correr nos monitores de computadores.

sábado, julho 30, 2005

ACORDEM, PORTUENSES

Comentário datado de 30 de Junho inserido num “post” de “O VILACONDENSE”:


"ACORDEM, PORTUENSES
ACORDEM, GENTES DO NORTE

Estamos todos a assistir ao assassinato, às mãos dos espanhóis, do "O Comércio do Porto" que, com 151 anos é o jornal mais antigo do Continente.
Nas suas páginas se tem escrito parte importante da História da Cidade do Porto, do Norte e, até, do País.
Não nos limitemos a lamentar a perda.
Não pactuemos com o cinismo vesgo e provinciano do Presidente da Câmara Municipal do Porto que admite "que se trata de um dos títulos mais prestigiados da Invicta" e, ao mesmo tempo, (qual Miguel de Vasconcelos), pactuando com os espanhóis, proprietários do jornal, critica "as opções editoriais seguidas, com uma forte patidarização e alguma tendência para o sensacionalismo no noticiário político".
O Dr. Rui Rio, acolitado por um antigo director do jornal, Sr. Manuel Teixeira, sabe bem da sua parte de responsabilidade na suspensão de "O Comércio do Porto".
Sigamos, antes, o caminho apontado pelas palavras da Drª Iva Delgado (filha do General Humberto Delgado que, também, foi colaborador do "O Comércio do Porto") que, sobre a suspensão da publicação do jornal, afirma: "Devia haver um grande movimento de solidariedade. O Comércio do Porto é uma espécie de honra da consciência nacional".
Sejamos capazes de, por todos os meios ao nosso alcance, fazer ouvir o nosso protesto e apelar ao sentido empreendedor dos Portuenses e dos Nortenhos para que este jornal volte a aparecer nas bancas, ainda mais pujante, como resposta ao mercantilismo de um grupo espanhol que, desprezando 150 anos de parte da História de Portugal, viu no lucro a única razão para a sua presença em Portugal.
Fomos capazes de salvar o Coliseu !
Salvemos o "O Comércio do Porto" !
Estamos todos a ser testemunhas deste assassinato. Não sejamos cúmplices !

António Sousa Pereira
ex-deputado à Assembleia da República"

Até já




O Porto não é o Porto que eu conheço e amo sem "O Comércio do Porto". É como se a cidade, de repente, tivesse sido amputada de um pedaço de si.

O fecho de um jornal, um qualquer jornal, é sempre muito triste. Enquanto acto é o triste fim de uma história de sonhos, trabalho e esforço colectivo. O fecho de um jornal com história é ainda mais doloroso. Sobretudo, para quem vive o drama individual e colectivo por dentro. E, ainda, para os outros jornais que ainda não fecharam e os outros jornalistas que ainda têm trabalho...

Ontem, à saída de uma visita de apoio que uma delegação de jornalistas do JN fez à redacção de "O Comércio do Porto", uma "simples cidadã" - assim se anunciou uma senhora dos seus 50 e picos anos ao funcionário de segurança - apresentou-se e comunicou que queria manifestar a sua solidariedade para com todos os trabalhadores do jornal acabado de fechar.

A história do encerramento de "O Comércio do Porto", com este simples gesto que aqui narro, pode parecer uma coisa romântica, mas só na aparência. Porque, cá dentro, é tudo muito amargo.

Por isso, em vez do "Até à próxima" com que Rogério Gomes titula o seu último editorial, prefiro um "Até já" com que abraço todos os camaradas do "Comércio". Para que o Porto volte a ficar a cidade linda que eu amo.


P.S.: O abraço solidário é extensivo a toda "A Capital", como é óbvio.

segunda-feira, julho 25, 2005

Canção para Luanda

A pergunta no ar
No mar
Na boca de todos nós:

- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xê
mana Rosa peixeira
responde?

- Mano
Não pode responder
Tem de vender
Correr a cidade
se quer comer!

«Ola almoço, ola amoçoeé
Matona calapau
Jiferrera jiferreresé»

- E você
Mana Maria quitandeira
Vendendo maboque
Os seios-maboque
Gritando
Saltando
Os pés pescorrendo
Caminhos vermelhos
De todos os dias?
«Maboque m’boquinha boa
Dóce docinha»

- Mano
Não pode responder
O tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
O corpo vendido
Baton nos lábios
Os brincos de lata
Sorri
Abrindo o seu corpo

- seu corpo-cubata!

Seu corpo vendido
Viajado
De noite e de dia.

- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
O corpo-cubata
Os brincos de lata
Vai-se deitar
Com quem lhe pagar
- precisa comer!

- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
O barro vermelho
As nossas cantigas
Tractor derrubou?

Meninos nas ruas
Caçambulas
Quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Você também
Zefa mulata
dos brincos de lata

- Luanda onde está?

Sorrindo
As quindas no chão
Laranjas e peixe
Maboque docinho
A esperança nos olhos
A certeza nas mãos
Mana Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Zefa mulata
- Os panos pintados
Garridos
Caídos
Mostraram o coração:

- Luanda está aqui!


Luandino Vieira, in “Cultura II, 1957, n.º 1

domingo, julho 03, 2005

O Sul

O sol o sul o sal
as mãos de alguém ao sol
o sal do sul ao sol
o sol em mãos de sul
e mãos de sal ao sol

O sal do sul em mãos de sol
e mãos de sul ao sol
um sol de sal ao sul
o sol ao sul
o sal ao sol
o sal o sol
e mãos de sul sem sol nem sal

Para quando enfim amor
no sul ao sol
uma mão cheia de sal?

Ruy Duarte de Carvalho, in "Chão de Oferta" (Editorial Culturang), 1973