Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

segunda-feira, julho 25, 2005

Canção para Luanda

A pergunta no ar
No mar
Na boca de todos nós:

- Luanda onde está?

Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos

- Xê
mana Rosa peixeira
responde?

- Mano
Não pode responder
Tem de vender
Correr a cidade
se quer comer!

«Ola almoço, ola amoçoeé
Matona calapau
Jiferrera jiferreresé»

- E você
Mana Maria quitandeira
Vendendo maboque
Os seios-maboque
Gritando
Saltando
Os pés pescorrendo
Caminhos vermelhos
De todos os dias?
«Maboque m’boquinha boa
Dóce docinha»

- Mano
Não pode responder
O tempo é pequeno
para vender!

Zefa mulata
O corpo vendido
Baton nos lábios
Os brincos de lata
Sorri
Abrindo o seu corpo

- seu corpo-cubata!

Seu corpo vendido
Viajado
De noite e de dia.

- Luanda onde está?

Mana Zefa mulata
O corpo-cubata
Os brincos de lata
Vai-se deitar
Com quem lhe pagar
- precisa comer!

- Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
O barro vermelho
As nossas cantigas
Tractor derrubou?

Meninos nas ruas
Caçambulas
Quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?

- Manos
Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Você também
Zefa mulata
dos brincos de lata

- Luanda onde está?

Sorrindo
As quindas no chão
Laranjas e peixe
Maboque docinho
A esperança nos olhos
A certeza nas mãos
Mana Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Zefa mulata
- Os panos pintados
Garridos
Caídos
Mostraram o coração:

- Luanda está aqui!


Luandino Vieira, in “Cultura II, 1957, n.º 1

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