Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

domingo, agosto 27, 2006

A morte absoluta

A morte absoluta


Morrer.

Morrer de corpo e alma.

Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,

A exangue máscara de cera,

Cercada de flores,

Que apodrecerão — felizes! — num dia,

Banhada de lágrimas

Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante…

A caminho do céu?

Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,

A lembrança duma sombra

Em nenhum coração, em nenhum pensamento.

Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente

Que um dia ao lerem o teu nome num papel

Perguntem: “Quem foi?...”


Morrer mais completamente ainda,

— Sem deixar sequer esse nome.




Manuel Bandeira, "Lira dos Cinquent'anos", 1940


1 Comentários:

Às 9:49 da tarde , Blogger jpcoutinho disse...

belissimo poema, mais nada.

 

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