Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

segunda-feira, outubro 16, 2006

Quando o "copy/paste" era um problema técnico...

Faz hoje uma semana fiquei chocado com uma notícia necrológica. Sorri muitas vezes em miúdo com o meu avô à cata de fotografias de pessoas suas conhecidas que tinham falecido. Desta vez, há uma semana, não tive motivos para qualquer sorriso.

A morte de um jornalista para quem o é também não é fácil de digerir, até pelo pequeno universo de que se trata. Normalmente, as pessoas conhecem-se umas às outras.

No caso de há uma semana, a fotografia, antiga, mostrava o rosto de um jovem com 20 e picos anos e trazia coladas memórias de loucura num jornal que, à época, era um projecto arriscado e de difícil implantação. Cultivava a irreverência, ainda que com alguma irresponsabilidade à mistura, feroz crítico do trabalho dos outros, o maior criador de argumentos que dessem sustento e base a uma atitude ou uma decisão, preguiçoso como poucos, simplesmente genial quando queria sê-lo, sempre disponível para aprontar uma partida, uma piada, e protagonista de acesas discussões com toda a gente que, além de não conseguir contrariá-lo, à falta de argumento, não estava para o aturar. Decidiu viver depressa demais. Em suma: era daquele tipo de pessoas que não dá espaço para meios-termos, ou se gostava, ou se odiava. Eu gostava dele.

Um dia, foi-lhe marcada uma entrevista a um treinador que, mais tarde, haveria de inscrever o seu nome, com bonitas letras gordas, na história do futebol português. De volta à Redacção, redigiu a conversa e deu por “encerrado” o dia. Só que a hierarquia decidira, entretanto, dar o dobro do espaço no jornal à entrevista. Bem que ele protestou, praguejou, asneirou e esperneou. Em vão. Amuado, sim porque o redactor também era dado a bruscas mudanças de humor, não esteve pelos ajustes: fez “copy/paste” do texto e, num ápice, a entrevista ganhou o dobro do tamanho, estava resolvido o problema, e o certo é que o jornal saiu mesmo assim! Hoje a história parece impossível de acontecer, mas na década de 80, no princípio da introdução dos computadores nos jornais, quando todos desconheciam o bê-á-bá do seu funcionamento mais básico, o elementar “copy/paste” até podia surgir como um problema técnico no terminal…

Morreu há uma semana, com 44 anos, e tenho saudades dele. Chamava-se Mário Moreira.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial