Prémio Camões
Num dia maior na vida Luandino Vieira – distinguido hoje com o Prémio Camões – repito um post de há quase um ano. Uma pequena homenagem pessoal a um escritor grande de Angola.
Canção para Luanda
A pergunta no ar
No mar
Na boca de todos nós:
- Luanda onde está?
Silêncio nas ruas
Silêncio nas bocas
Silêncio nos olhos
- Xê
mana Rosa peixeira
responde?
- Mano
Não pode responder
Tem de vender
Correr a cidade
se quer comer!
«Ola almoço, ola amoçoeé
Matona calapau
Jiferrera jiferreresé»
- E você
Mana Maria quitandeira
Vendendo maboque
Os seios-maboque
Gritando
Saltando
Os pés pescorrendo
Caminhos vermelhos
De todos os dias?
«Maboque m’boquinha boa
Dóce docinha»
- Mano
Não pode responder
O tempo é pequeno
para vender!
Zefa mulata
O corpo vendido
Baton nos lábios
Os brincos de lata
Sorri
Abrindo o seu corpo
- seu corpo-cubata!
Seu corpo vendido
Viajado
De noite e de dia.
- Luanda onde está?
Mana Zefa mulata
O corpo-cubata
Os brincos de lata
Vai-se deitar
Com quem lhe pagar
- precisa comer!-
Mano dos jornais
Luanda onde está?
As casas antigas
O barro vermelho
As nossas cantigas
Tractor derrubou?
Meninos nas ruas
Caçambulas
Quigosas
brincadeiras minhas e tuas
asfalto matou?
- Manos
Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Você também
Zefa mulata
dos brincos de lata
- Luanda onde está?
Sorrindo
As quindas no chão
Laranjas e peixe
Maboque docinho
A esperança nos olhos
A certeza nas mãos
Mana Rosa peixeira
Quitandeira Maria
Zefa mulata
- Os panos pintados
Garridos
Caídos
Mostraram o coração:
- Luanda está aqui!
Luandino Vieira, in “Cultura II, 1957, n.º 1
1 Comentários:
Estrada
Luanda Dondo vão,
cento e tal quilômetros
mangas e cajus
marcos brancos
meninos nus
Branco algodão
crescendo
corpos negros
na cacimba
O Lucala corre
confiante
indiferente à ponte que ignora
Verdes matas
Sangram vermelhas acácias
imbondeiros festejam
o minuto da flor anual
Na estrada
o rebanho alinha
pelo verde
verde capim
Adivinhados
caqui lacraus
de capacete giz
trazem a morte
Meninos
se embalam
em mães velhas
de varizes:
Rios azuis
da longa estrada
E é fevereiro
sardões as sol
Cassoalala
Eia Mucoso
tão cheio agora
Adivinhados
permanecem
lacraus caqui
capacetes giz
Não param as colheitas
Que razão seriam
fevereiro
acácias sangrando vermelho
verdes sisais
cantando o parto
da única flor?
Não param as colheitas!
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