Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

quarta-feira, maio 10, 2006

Homem como ele

Já não o via há dois ou mais anos. Hoje encontramo-nos para um café rápido. Gosto dele, do seu jeito desajeitado. José Carlos Martins é um tipo simples, que apenas quer viver em paz consigo e com as coisas do Mundo.

A sua escrita está, sem qualquer sobra de dúvida, ao nível do que se publica na I Liga dos nossos escritores – falo de Saramago, Lobo Antunes, Agustina, Manuel António Pina, Luísa Costa Gomes, Lídia Jorge, ele há tantos… – mas poucos, além dos amigos, lhe dão atenção. O Zé não sabe promover o seu trabalho, não sabe vender as suas ideias, não sabe encostar-se a um amigo bem posicionado. Fica nas covas, e escreve. Coisas simples, mas também coisas muito elaboradas.

Hoje, deu-me fotocópia de um texto que foi dado à estampa no mês passado, imagine-se!, no número de arranque de “a Nova Chama”, publicação dos Bombeiros Voluntários de Crestuma, uma espécie de legenda para duas fotografias editadas pelos jornais.. Só o Zé.

O texto é uma homenagem aos bombeiros – “Homens como eles” é o título –, mas se perdermos de vista esse mote e aplicarmos as palavras ao conceito genérico e abstracto da vida percebe-se melhor o que atrás está dito. E percebe-se, também, que o Zé um talento criativo injustamente marginalizado pelo sistema.


“É preciso ter fogo no coração para que o medo líquido que corre nas veias afronte as barreiras de chamas numa habitação ou na floresta… e… depois as vença. Então o rescaldo, cansado, é uma festa.

É preciso ter mãos hábeis, saber certo, para que o medo líquido que corre nas veias faça escoar, por vias seguras, areje e faça ar numa inundação. E tudo fique seco. E a alegria da vitória sobre o sinistro se torne um eco.

É preciso conhecer, profundamente, o sentido da vida, para que o medo líquido que corre nas veias deixe levar um doente ou moribundo ao hospital, para que essa mesma vida continue na cura ou na cerimónia sepulcral.

E é preciso o dever cumprido com modéstia, como um voluntário, de quem sabe que a Natureza tudo comanda, que com ela se convive e se combate, mas que para um bombeiro o que conta é sempre a réstia de esperança”.

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