Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

terça-feira, fevereiro 07, 2006

#22 D.C.

Não resisti, e roubei-o direitinho daqui para aqui. É lindo!



Novembrina solene

Seu Zuzé, as tuas vacas, como estão?

Longe daqui,
subimos os morros

fomos procurar
a água que resta
do ano que passa.

Senhora Luna
a farinha

Está a secar.

Tarda a chuva
seca o milho

a lavra não vai medrar.

Tchimutengue, meu vizinho
então por cá?
Pois que vim te visitar
te avisar
que o meu gado vai passar
aqui por perto.

Tarda a chuva e é preciso
procurar o que lhe dar de comer
o que dar de beber

o capim está a ficar netro
está na hora de mudar.

Imigrante Silva, a tua mulher?

Está mal.

Que é do leite para lhe dar
a carne para lhe engordar?

E os filhos?

Estão magrinhos
doentados
vão ficar igual ao pai.

Que é da escola para lhes dar
sapatos para lhes calçar?

Dunduma amigo
Companheiro Chipa
Zeca Ernesto, Calembera,
olhai pelo gado.
Protegei os pastos.
Olhai pela vida das fêmeas
e pela saúde dos machos

Ruy Duarte Carvalho, in "Lavra" (Cotovia, 2006)

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