Viagem pelas ruas da amargura

"As viagens devem ser um instrumento à procura do fantástico,nunca o suporte de uma devoção complacente" - Baptista-Bastos

domingo, janeiro 29, 2006

#12 D.C.

São preocupantes para a Esquerda as notícias que nos chegam hoje da reunião de sábado, em Lisboa, de Manuel Alegre com os seus apoiantes mais próximos.

Em termos práticos, Alegre decide avançar para a formalização do “movimento de cidadania” que, no fundo, suportou toda a sua campanha eleitoral para as Presidenciais e fica de pé um eventual abandono do Parlamento.

A sacralização do “movimento de cidadania” – que, dizem, reflectirá as questões de fundo que nortearam a campanha de Alegre: o combate à corrupção, a desertificação do território, a dignificação da justiça e a igualdade de género, entre outras – acabará por redundar, mais tarde ou mais cedo, num corpo orgânico semelhante ou muito próximo daquilo que é hoje um qualquer partido político. Porque, se assim não for, estreita-se o seu campo de intervenção e dilui-se o peso do milhão de eleitores que escolheu Alegre. Um contrasenso para aqueles que entendem Manuel Alegre como um republicano socialista, antifascista militante, naturalmente enquadrado, ideologicamente e pelo seu próprio percurso, num partido como o PS. E se é verdade que democracia e política não se esgotam no seio dos partidos políticos, não é menos verdade que todas as questões, atrás referidas, cabem, hoje, no debate no seio de qualquer partido, à Esquerda e à Direita.

Quanto ao hipotético abandono da Assembleia da República, as hesitações de Alegre são, afinal, o reflexo de quem, acabadinho de conquistar 20% do eleitorado, não sabe, ao certo, o que fazer com a representatividade política que lhe foi conferida. Apesar dessa mesma representatividade se ter esgotado na noite de 22 de Janeiro.

E aqui Alegre parece num beco sem saída, à frente de um movimento que ou deriva para um novo partido (com todas as consequências que isso implica) ou se esgotará rapidamente a si próprio, e na iminência de deixar um Parlamento um lugar que é seu, por direito. Manuel Alegre parece não saber o que fazer.

Depois do BE assumir que o resultado de Francisco Louçã ficou aquém das expectativas e que a Esquerda saiu, inegavelmente, derrotada, depois do PCP responsabilizar o PS e Manuel Alegre pela vitória de Cavaco Silva à primeira volta, e depois de José Sócrates ter esticado até ao Outono a discussão interna sobre as Presidenciais (enquanto avalia o posicionamento de Manuel Alegre...), a Esquerda só pode, pois, ficar preocupada.

Há um longo caminho de debate político, é certo. Mas, aparentemente, o desnorte é grande.

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